Maria provavelmente teve outros filhos além de Jesus, dizem historiadores
Evangelhos mencionam quatro irmãos e ao menos duas irmãs de Cristo. Interpretação de que eles seriam só primos prevaleceu no Ocidente.
Reinaldo José Lopes Do G1, em São Paulo
A lista "Tiago, José, Judas e Simão" lhe diz alguma coisa? Uma dica: não são nomes de apóstolos. Na verdade, de acordo com o Evangelho de Marcos, estes seriam os irmãos de Jesus, que são citados ao lado de pelo menos duas irmãs de Cristo (cujos nomes não aparecem). Os católicos e ortodoxos normalmente interpretam o trecho como uma referência a primos ou parentes mais distantes do mestre de Nazaré, mas o mais provável é que essa visão seja incorreta. A maior parte dos (poucos) indícios históricos indica que Maria e José realmente tiveram filhos depois do nascimento de Jesus.
É claro que, sem nenhum acesso a registros familiares contemporâneos ou evidências arqueológicas diretas, a conclusão só pode envolver probabilidades, e não certezas. "Se a busca do 'Jesus histórico' já é difícil, a pesquisa dos 'parentes históricos de Jesus' é quase impossível", escreve o padre e historiador americano John P. Meier no primeiro volume de "Um Judeu Marginal", série de livros (ainda não terminada) sobre Jesus como figura histórica.
Meier explica que, ao longo da tradição cristã, teólogos e comentaristas do texto bíblico se dividiram basicamente entre duas posições, batizadas com expressões em latim. A primeira é a chamada "virginitas ante partum" (virgindade antes do parto), segundo o qual Maria permaneceu virgem até o nascimento de Jesus, tendo filhos biológicos com seu marido José mais tarde. A segunda, "virginitas post partum" (virgindade após o parto), postula que Maria não teve outros filhos e até que seu estado de virgem teria sido milagrosamente restaurado após o único parto.
A "virginitas post partum" foi, durante muito tempo, a posição defendida por quase todos os cristãos, diz o historiador — até pelos protestantes, que hoje não se apegam a esse dogma. "Um fato surpreendente, e que muitos católicos e protestantes hoje em dia desconhecem, é que as grandes figuras da Reforma, como Martinho Lutero e Calvino, defendiam a virgindade perpétua de Maria", escreve ele. Já especialistas católicos modernos, como o alemão Rudolf Pesch, defendem que Maria provavelmente teve outros filhos sem que isso tenha levado a reprimendas diretas do Vaticano.
Jerônimo
Diante das menções claras aos "irmãos e irmãs de Jesus" nos Evangelhos (que inclusive se mostram contrários à pregação dele, chegando mesmo a considerá-lo louco), como a interpretação da "virginitas post partum" prevaleceu?
"Houve três formas de interpretar esses textos", afirma o americano Thomas Sheehan, estudioso do cristianismo primitivo e professor da Universidade Stanford. "Além de considerar essas pessoas como irmãos biológicos de Jesus, sabemos da posição de Epifânio, bispo do século IV para quem os irmãos eram de um casamento anterior de José. Mas a opinião que prevaleceu foi a de Jerônimo, que era um excelente filólogo [especialista no estudo comparativo de idiomas] e viveu na mesma época. Jerônimo dizia que a palavra grega 'adelphos', que nós traduzimos como 'irmão', era só uma versão de um termo aramaico que pode ter um significado mais amplo e que pode querer dizer, por exemplo, primo."
O 'ossuário de Tiago', que teria abrigado os restos do mais famoso irmão de Jesus, é considerado uma fraude pela maioria dos especialistas (Foto: Reprodução)
Jerônimo tinha razão num ponto: quando o Antigo Testamento foi traduzido do hebraico para o grego, a palavra "adelphos" realmente foi usada para representar o termo genérico "irmão" (empregado para parentes mais distantes no original). De fato, o hebraico, bem como o aramaico (língua falada pelos judeus do tempo de Jesus na terra de Israel), não tem uma palavra para "primo". O problema é que há um único caso comprovado de que a palavra hebraica "irmão" tenha tido o significado real de "primo". Essa única ocorrência está no Primeiro Livro das Crônicas — e mesmo assim o contexto deixa claro que as pessoas em questão não são irmãs, mas primas.
No entanto, o caso do Novo Testamento é diferente, argumenta Meier: não se trata de "grego de tradução", mas de textos originalmente escritos em grego, nos quais não havia motivo para usar um termo que poderia gerar confusão. O próprio Paulo, autor de várias cartas do Novo Testamento, chama Tiago, chefe da comunidade cristã de Jerusalém após a morte de Jesus, de "irmão do Senhor", ao escrever para fiéis de origem não-judaica (ou seja, que não sabiam hebraico ou aramaico). De quebra, a Carta aos Colossenses, atribuída a Paulo, usa até o termo grego "anepsios", que quer dizer "primo" de forma precisa.
Reforçando esse argumento, o escritor judeu Flávio Josefo, ao relatar em grego a morte de Tiago, também o chama de "irmão de Jesus". E o contexto dos Evangelhos reforça a impressão de que se tratam de irmãos de sangue, argumenta Meier. Os irmãos e a mãe de Jesus são sempre citados em conjunto. Quando Maria e os parentes de Jesus tentam interromper uma pregação, ele chega a pronunciar a polêmica frase "Qualquer um que fizer a vontade do meu Pai celestial é meu irmão, minha irmã e minha mãe". Para Meier, a frase perderia muito de sua força se o significado real dela se referisse a "meu primo, minha prima e minha mãe".
Para Geza Vermes, professor de estudos judaicos da Universidade de Oxford (Reino Unido), as próprias narrativas sobre o nascimento de Jesus dão apoio a tese de que Maria e José tiveram outros filhos mais tarde. No Evangelho de Mateus, afirma-se que José não "conheceu" (eufemismo para ter relações sexuais com alguém) sua mulher até que Jesus nascesse. Ainda de acordo com Vermes, em seu livro "Natividade", é importante notar o uso do verbo grego "synerchesthai", ou "coabitar", para falar da relação entre José e Maria. O verbo, quando empregado pelos autores do Novo Testamento, implica sempre relações sexuais entre homem e mulher, diz ele.
Sem dúvida
Comentário por pastor Sérgio Ricardo
Os Filhos de Maria
“Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos, Tiago, e José, e Simão, e Judas? E não estão entre nós todas as suas irmãs? Donde lhe veio, pois, tudo isso?” (Mateus 13.55).
A Bíblia é a nossa fonte de revelação e sabedoria e não podemos ir além do que está escrito, qualquer que seja o assunto a ser discutido (1 Co 4.6). Os irmãos de Jesus são citados nove vezes nos evangelhos (Mateus 12.46; 13.55; Marcos 3.31; 6.3; Lucas 8.19; João 2.12; 7.3,5, 10) e uma vez nos Atos dos Apóstolos (Atos 1.14) e duas vezes são também mencionadas suas irmãs (Mateus 13.56; Marcos 6.3). A interpretação natural é que sejam filhos de Maria e José. Entretanto, outras possibilidades têm sido propostas, com vistas a resolver este dilema e sustentar alguns dogmas. São estas as principais:
1. Estes seriam primos e não irmãos de Jesus, filhos de Alfeu e de Maria, a tia de Jesus.
2. Seriam filhos de José, de um casamento anterior.
3. Seriam filhos de Maria e José e, portanto, irmãos de Jesus.
Examinemos cada uma delas detalhadamente:
1. Seriam primos de Jesus
Alguns defendem esta posição argumentando que a palavra hebraica “Ha” é geralmente traduzida para “irmão” e que os judeus daquele tempo empregavam essa palavra num sentido mais amplo para expressar parentesco, pois não existiam termos em hebraico para expressar os diferentes níveis e graus de parentesco. “Irmão” pode significar os filhos do mesmo pai e todos os membros masculinos do mesmo clã ou tribo. Entretanto, no grego do NT, o termo irmão (adelfós) nunca é usado no sentido de primo. O idioma original do NT usa uma palavra diferente para falar de primo ou sobrinho (anepsiós – Marcos, primo de Barnabé – Cl 4.10) e outra ainda para parentes (syngenes – Isabel, prima de Maria – Lc 1.36), que aparece 14 vezes no NT, com variações. Quase todos os escritores do NT, como Lucas e Paulo, escreveram para leitores gentios, que falavam grego. Daí, não faz sentido que eles quisessem preservar o sentido do hebraico ou aramaico, que não seria compreendido por eles. Somente autores que escreveram para um público judeu preservaram as palavras em aramaico, como Marcos.
Para justificar esta posição, assume-se que estes homens eram filhos da tia de Jesus, irmã de Maria (João 19.25), também chamada Maria, casada com Clopas, também chamado Cleofas (Mt 27.56; 20.20; Mc 15.40; Lc 24,10). Este seu marido seria o mesmo Alfeu, pai de Tiago Menor, José e Judas e, talvez, de Mateus (Mt 10.3; Mc 2.14; Mc 3.18; Lc 6.15; At 1.13). Embora muitas personagens bíblicas tenham dois nomes, não há referência que Clopas seja o mesmo Alfeu. Nomes como Tiago (Jacó), José e Judas (Judá) eram muito comuns, de forma que não passa de especulação dizer que os irmãos de Jesus eram filhos de Alfeu.
Esta teoria é sustentada unicamente para tentar mostrar que Maria não teria tido outros filhos, além de Jesus, a fim de sustentar o dogma da eterna virgindade de Maria, mas isto não encontra respaldo algum nas Escrituras.
Aqueles que afirmam que Maria fez um voto de virgindade baseiam-se num livro apócrifo: o Proto-evangelho de Tiago (2.9), com manuscritos datados do III século d.C. Este livro também fala do nascimento de Maria, que teria sido criado no templo (impossível para uma mulher) e outras histórias fantasiosas.
2. Seriam filhos apenas de José, de um primeiro casamento.
O Evangelho do Pseudo-Tomé (apócrifo), menciona um filho, Tiago, do primeiro casamento de José (1.16). Também no apócrifo “História de São José”, os quatro irmão de Jesus (Judas, Simão, José e Tiago), mais duas irmãs (Lídia e Lísia) são mencionados como frutos de um primeiro casamento do pai adotivo de Cristo. José teria ficado viúvo, tendo quatro filhos. Então, teria casado com Maria, com o objetivo de dar-lhe proteção e para que ela não ficasse sem marido.
3. São irmãos de Jesus, filhos de Maria e José.
Os irmãos de Jesus não podem ser os filhos de Alfeu, que eram discípulos do Mestre, pois a Bíblia afirma que Seus irmãos inicialmente não criam nele (João 7.3,5), não faziam parte do grupo de Seus discípulos e chegaram mesmo a se oporem ao Seu ministério (Marcos 3.21). Nem eles mesmos se consideravam discípulos. Em diversas passagens das Escrituras, Jesus está com Seus discípulos e então chegam seus irmãos. Em Mateus 12.46 e Marcos 6.3, Jesus estava em Sua missão, junto com Seus discípulos. Então, seus irmãos chegam. Portanto, eles não faziam parte do grupo. Em Marcos 3.20,21, eles chegam a querer prendê-lo, julgando-o insano. Se estes irmãos fossem Tiago Menor e outros discípulos, eles estariam no grupo dos discípulos e jamais se oporiam ao ministério de Cristo. Em todas as vezes que estes irmãos sãos mencionados em conjunto, estão em companhia de Maria. Se esta fosse sua tia e não sua mãe, seria estranho ver que, embora sua mãe estivesse viva, eles prefeririam andar com sua tia, em lugar de sua progenitora. Em nenhum texto das Escrituras estes irmãos são mencionados como primos de Jesus, mas apenas como irmãos. Em outros textos, os irmãos de Jesus são distinguidos dos discípulos dele (João 2.12; Atos 1.14; Gálatas 1.19; 1 Coríntios 9.5), deixando claro que eram grupos distintos de pessoas. Quando Jesus foi crucificado, seus irmãos não estavam lá, apenas sua mãe, pois eles não criam em Cristo. Por isso, Jesus deixou sua mãe aos cuidados do apóstolo João (João 19.26,27). Num momento de dor, quando Maria precisaria de apoio espiritual, certamente os discípulos estavam mais habilitados a isto do que seus próprios irmãos, que depois se tornaram seus discípulos, quando viram Jesus ressuscitado (1 Coríntios 15.7).
Em Gálatas 1.19, Tiago é chamado de apóstolo e de “o irmão do Senhor”. Se o termo estivesse sendo usado no sentido de discípulo, todos os outros apóstolos estariam na mesma condição. Ele é distinguido assim de Tiago, filho de Zebedeu (Mateus 14.21; 10.2; Marcos 1.19; 3.17) e de Tiago, filho de Alfeu (Mateus 10.3; Marcos 3.18; Lucas 6.15; Atos 1.13), que figuravam entre os doze apóstolos. Se Paulo estivesse usando “irmão” no sentido de “primo”, para um grupo de leitores que não compreendiam o sentido semita, ele seria um péssimo comunicador.
Existiam pelo menos três Tiagos no Novo Testamento:
1. Tiago, irmão de João (Mateus 10.2;): Discípulo de Jesus, Filho de Zebedeu e de Salomé, este foi assassinado no início do Cristianismo, veja Atos 12.2;
2. Tiago, filho de Alfeu (Mateus 10.3; Marcos 15.40, 1º Coríntios 15.7): Discípulo de Jesus, Também chamado de Tiago, o Menor, para diferenciar do outro discípulo. Este era o filho da Maria que estava presente na crucificação e tinha também um irmão chamado Judas (Atos 15.40);
3. Tiago, irmão do Senhor (Mateus 13.55; Gálatas 1.19, atos 15.13) Este era o irmão uterino de Jesus, tinha também um irmão chamado Judas, pois era comum haver muitas pessoas com nomes iguais, como vimos. Este foi o autor da Carta.
Ter filhos era uma bênção, notadamente numa época em que o sustento da família dependia do trabalho braçal. E Deus abençoou o casal José e Maria com outros filhos, tornando-os bem-aventurados (Sl 127.3,5). Cremos, pois, que José e Maria eram, de fato, os pais de Tiago, José, Simão e Judas, além de mais duas mulheres. Maria foi agraciada com o fato de ser a mãe de Jesus e também de ter outros filhos, para glória de Deus.
Obras consultadas:
CHAMPLIN, R.N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. 2. 6ª edição. São Paulo: Hagnos, 2002.
Rabino estudando as Escrituras Sagradas
Lendo a Bíblia com chapéu na cabeça? Só para os judeus.
A quipá (em hebraico כיפה, kipá, "cúpula", "abóbada" ou "arco") ou yarmulke (em iídiche יאַרמלקע, do polonês jarmulka, que significa "boina"), é um pequeno chapéu em forma de circunferência, semelhante ao solidéu, utilizada pelos judeus tanto como símbolo da religião como símbolo de "temor a Deus".O Talmude enfatiza a necessidade de se ter sempre o temor a Deus sobre nossas cabeças. A maioria dos judeus utiliza a quipá apenas em ocasiões solenes e de devoção, enquanto alguns utilizam-no o dia inteiro, ilustrando a necessidade de se temer a Deus em todos os momentos da vida.O surgimento da quipá e o sentido inicial do seu uso dentro do judaísmo até hoje não tem uma explicação satisfatória. No entanto, durante muito tempo seu uso não foi obrigatório. Somente no século XIX, diante do perigo da assimilação, os ortodoxos instituiram a obrigatoriedade do uso. Certas ramificações, como os caraítas, não seguem esse costume.De acordo com a tradição, apenas homens devem usar quipá, ainda que nos tempos modernos ramificações não-ortodoxas do judaísmo permitam que as mulheres também a utilizem. Seu uso é usualmente associado ao reconhecimento da superioridade divina sobre o ser humano, sendo o símbolo de humildade perante o criador e de submissão à sua vontade.